Crônica 281: "E por falar em saudades..."
Está tudo muito bom, está tudo muito bem mas, de repente, uma melodia, um pôr-do-sol, uma fotografia, uma mesa posta, uma roupa que passa vestindo alguém... ou mesmo alguém que você nunca viu antes "te" lembra outra pessoa, coisas do nosso passado... e a saudade bate forte... e nos remete a emoções e sensações sentidas e... desvanecidas.
Quem já não sentiu? Só quem não viveu...
Minha primeira saudade sentida, dolorida, lembrada?...
Acho que foi quando eu tinha mais ou menos uns 6 anos, tinha vindo morar em São Paulo e deixei em Mogi das Cruzes meus amiguinhos de infância, entre os quais a minha priminha Guiomar.
Ela era um nenenzinho bonito, mal começando a falar, mas eu gostava de ficar olhando para aquela bonequinha que andava.
E a mudança me afastou dela.
Na casa nova, em São Paulo, não havia crianças. Nem menininhas como minha priminha...
E eu comecei a sentir uma imensa falta dela.
E pior: comecei a esquecer como era seu rosto.
Até que uma foto dela, salvadora, apareceu lá em casa.
E pude rever e matar a saudade.
Que saciada, acabou ali. Já gravara o rosto da prima e já partia para outras amizades que chegavam...
Outra saudade?
Do meu pai. De quando ele estava vivo e saudável.
Ainda não tinha partido mas não era mais o paizão atento, forte, a que eu me acostumara. Ficou durante muitos anos bem doente.
E a saudade se dividiu em duas, quando ele se foi.
Deixou poucos pertences. Durante a extensa doença, suas roupas e objetos pessoais já tinham sido doados.
Mas sobrou um par de sapatos pretos, uma valise onde ele levava seus papéis e poesias e uma camisa ainda impregnada com seu cheiro.
E eu me pegava procurando esses objetos, alisando a valise de couro preta, pegando nos sapatos usados e... cheirando a camisa onde ainda senti durante muitos dias, restinhos do cheiro cheio de lembranças do papai...
Outra saudade?
Foi depois da morte de minha mulher Vera Lúcia, num acidente de carro.
Vera era toda alegria e vida... E foi um baque não ter mais aquela pessoa alegre, companheira, ao meu lado.
Neste caso, já havia fotos e lembranças vivas: duas filhinhas gêmeas herdadas da Vera mas... e ela?
Seu rosto alegre? Seus gestos largos?
Daí, eu atravessava os dias e as ruas de São Paulo buscando rostos parecidos com o dela. Para matar, pelo menos, um pouco da saudade.
Aqui ou ali encontrava alguém com seus traços... E me peguei mais de uma vez seguindo, com medo, de longe, essas pessoas.
Houve uma vez que quase falei com uma moça, ali na Amaral Gurgel, sob o viaduto. Ia contar a história e me desculpar... Mas, na última hora, me faltou coragem.
E a saudade ruim, de forte foi sumindo, substituída por lembranças boas, agradáveis...
Depois foi a minha avó - a vó Dita - que se foi, com quase cem anos de idade.
Mas mesmo com tanto tempo de vida, deixou saudade forte.
Que eu matava buscando, na geladeira, de pouquinho em pouquinho, pedaços do doce de laranja que ela tinha preparado e mandado pra mim, dias antes de nos deixar...
Mamãe também se foi não há muito tempo. Mas é impressionante como eu ainda sinto sua presença, sua proximidade, sua influência.
Tanto que a saudade que sinto dela é como a de uma ausência temporária, de como se ela tivesse saído para uma viagem e estivesse ao alcance de um telefonema, de um recado a ser mandado.
E talvez seja assim, mesmo...
Outras saudades?
Lógico que de namoradas, de mulheres que me amaram e foram amadas. E que se afastaram pelos descaminhos da vida.
Mas não tanto que suas lembranças não permaneçam como um legado de que o que vale, na vida, é amar.
É ter calor, carinho, ternura para oferecer. E manter as lembranças desses momentos.
São as saudades que contam, que valem... E que não são ruins.
Mesmo que permaneçam eternas...
Porque o tempo as torna mais doces.
Suportáveis...
Provas vivas de uma vida vivida com amor.
11.08.2003
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